O próximo domingo será o primeiro Dia dos Pais para um grupo de homens que perderam suas esposas em fatalidades e, agora, lidam com a responsabilidade de criar sozinhos os filhos. Esses pais falaram ao G1 sobre as dificuldades de adaptação e como sentem os esforços recompensados pelo amor das crianças.
Sobreviver a uma tragédia tornou mais intensa a relação de Wellington Guimarães, de 27 anos, e seu filho Nicolas. Eles ficaram mais de 15 horas esperando o
resgate em meio aos escombros do desabamento da casa onde estavam, em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, quando as chuvas atingiram a cidade em janeiro.
Durante o período em que permaneceu soterrado, Guimarães cavou a terra com as próprias mãos para chegar mais perto do filho. A mãe do menino, Renata, e a avó materna, Maria de Fátima, também estavam na casa, mas
não resistiram.
“Ele é mais guerreiro do que eu, ele me ensina muita coisa. O pai que não presta atenção no filho, não vê o maior tesouro que tem ao lado”, diz.
O jeito tímido de Wellington se transforma com o sorriso do filho. “Ver o Nicolas é revitalizante, dá ânimo, não há como não cativar”, diz o pai, que volta a ser criança ao sentar-se no chão com o bebê para brincar de carrinho e com a girafa de pelúcia, os brinquedos preferidos do menino. “Ele também adora quando eu finjo que estou lutando com ele, coloco ele nas minhas costas, ele se diverte.”
Para o Dia dos Pais, Guimarães sonha que o pequeno Nicolas repita a palavra que disse pela primeira vez no Dia das Mães: papai. “Ele fala mamãe para tudo. Foi um presentão quando ele falou papai, ainda mais porque foi no Dia das Mães. Quem sabe ele não fala de novo, talvez ele esteja guardando para fazer essa surpresa para mim no Dia dos Pais”, afirma.
Presença constanteO vendedor Jorge Luiz Francisconi, de 26 anos, não esperava passar seu primeiro Dia dos Pais sem a mulher e ainda ter de contar com a ajuda de seus pais para criar o filho de 10 meses. A mulher dele, Rafaela, morreu em julho, quando o
veículo em que estava foi atingido por outro dirigido por adolescentes que fugiam da polícia, em São Paulo. O bebê chegou a ficar ferido, mas se recuperou.
Desde a morte da mulher, Francisconi voltou para a casa dos pais e divide o tempo entre o trabalho e o esforço para fazer do filho, João Pedro, uma criança feliz. Pelas feições do menino, Francisconi parece cumprir bem o papel.
“Eu nunca imaginei ser pai solteiro, criar meu filho sem a mãe. Muito menos nessa situação. A gente nunca imagina essas coisas. Ele está sendo uma alegria, o motivo para a gente continuar a luta, porque é difícil. Ele está sempre comigo, não fico uma noite sem ele”, conta Jorge.
A presença de Rafaela também é constante. “Mostro fotos da mãe para ele. Esses dias eu mostrei e ele começou a chorar. Não acreditei. Ele colocou o dedinho em cima dela, reconheceu, aí virou para o lado, encostou em mim e começou a chorar.”
Francisconi lembra que a mulher era muito cuidadosa e detalhista com o filho – o que ele e sua mãe tentam repetir. “Na primeira semana [depois do acidente] ele estava muito tristinho, só queria dormir. Eu comecei a brincar, brincar, até arrancar o primeiro sorriso dele. Depois ele foi voltando ao normal.”
ReviravoltaO motorista Claiton Bogado do Prado, 31 anos, também conta com a ajuda dos pais e da irmã para criar os dois filhos, Milena e Guilherme. A mulher dele, Roseleide, morreu há cinco meses, durante o parto do segundo filho do casal, em Campo Grande. Ele alega que a morte foi provocada por erro médico e, após entrar na Justiça, conseguiu que o hospital fosse
condenado a contratar uma babá para cuidar das crianças. “Até agora não pagaram nada. O tempo vai passando e ele [Guilherme] vai crescendo. Nós temos que cuidar dele, não podemos esperar”, diz Prado.
Prado conta que sua vida deu uma reviravolta. Além de voltar para a casa dos pais, teve de aprender a trocar fraldas e preparar a mamadeira. “Mudou completamente a minha vida e a da minha família, mas eu tenho que continuar. Ela se foi, mas a gente tem duas crianças agora. Elas são a continuação da minha vida e a continuação da vida dela também”, desabafa o motorista. “Eu já vi que a minha vida tomou outro rumo. A gente tinha tantos planos que naquele sábado pararam. Daqui para frente, são novos sonhos.”
Assim como Prado, Anderson da Silva Theodoro, de 33 anos, morador de Cianorte (PR), perdeu a esposa, Fabrícia, durante o parto do segundo filho do casal há nove meses. O bebê também morreu e, agora, ele se dedica a cuidar de Micaela, de 5 anos. Contando com a ajuda da família e as orientações de uma psicóloga, Theodoro e Micaela fortaleceram a relação de pai e filha.
“Eu encaro como se a minha esposa tivesse que ter ido lá para o céu cuidar do Otávio [o bebê] e eu fiquei aqui para cuidar da Micaela. Então, cada um cuida de um filho até que um dia a gente possa, quem sabe, se encontrar. E a vida continua, tem que ser assim”, explica. “A Micaela não será menos que qualquer outra criança por eu estar sozinho. Eu vou fazer de tudo para que ela não sinta diferença em nenhuma situação, em momento nenhum”.
Sensato e certo da responsabilidade da criação da filha, Anderson parece preparado para encarar a tarefa. “Eu sempre tento me colocar como pai dela, simplesmente o pai dela. Eu não quero ocupar o papel da mãe. Eu acredito que ela deva crescer naturalmente. A minha intenção é ser o pai, apesar, de ver que eu estou ocupando mais do que isso”, reflete.